Se existia algum receio de que Thunderbolts fosse apenas mais um capítulo da interminável jornada da Marvel rumo ao lucro seguro, ele se dissipa logo nas primeiras sequências do filme. A produção não tenta repetir fórmulas. Em vez disso, mergulha de cabeça em territórios mais sombrios, sujos e emocionalmente instáveis. A sensação é de estar assistindo a um filme onde as regras foram reescritas. E esse é justamente seu maior trunfo. O grupo de anti-heróis que compõe os Thunderbolts é formado por personagens que já tinham passado pelo MCU, mas que nunca haviam ganhado espaço para se aprofundar. Aqui, eles são finalmente vistos em sua complexidade: não são vilões redimidos, nem heróis disfarçados, mas seres humanos fragmentados, guiados por impulsos, traumas e uma busca desesperada por algum tipo de significado.
Nesse contexto, Florence Pugh é indiscutivelmente a alma do filme. Sua Yelena Belova carrega uma dor ancestral mascarada por ironia e coragem. A atriz entrega uma performance visceral, que alterna entre momentos de delicadeza devastadora e ataques de fúria contida. Sua presença é vital, e cada cena em que aparece é enriquecida por sua capacidade de fazer o público sentir junto com ela.

A formação da equipe não segue a lógica habitual de “cada um com uma habilidade complementar”. Ao contrário: todos são disfuncionais, emocionalmente comprometidos e, muitas vezes, incapazes de agir como um time. Mas é nesse desequilíbrio que o filme encontra sua potência. Os conflitos internos e as alianças incômodas criam uma atmosfera imprevisível, que faz com que o espectador não saiba para onde a narrativa está indo — e isso é refrescante.
A introdução de Lewis Pullman como Sentinela é um dos movimentos mais acertados do longa. Ele interpreta um ser com poderes colossais, mas dilacerado por um vazio existencial que desafia qualquer tentativa de controle. Pullman não tenta glamorizar a dor: ele a encarna. Seu Sentinela é um lembrete constante de que poder não é sinônimo de estabilidade, e sua presença amplia a densidade emocional do filme.

O que torna tudo ainda mais envolvente é a conexão silenciosa entre ele e Yelena. Ambos compartilham um cansaço de mundo, uma sensação de não pertencer. E é nesse ponto que o filme deixa de ser apenas sobre missões e explosões, e passa a ser sobre encontros: de almas, de dores, de tentativas de sobrevivência emocional. A tensão entre os dois não precisa de palavras para existir. É pura energia represada. Do ponto de vista técnico, Thunderbolts se destaca por uma direção segura, que sabe quando acelerar e quando silenciar. As cenas de ação são intensas, mas não se sobrepõem ao que realmente importa: os personagens. A trilha sonora, sutil, atua como extensão do emocional dos protagonistas. A fotografia aposta em tons mais frios, sujos e urbanos, contribuindo para o clima de instabilidade constante.
No fim, Thunderbolts é menos sobre heróis e mais sobre pessoas tentando se reconectar com algum traço de humanidade. A Marvel finalmente se permite explorar o fracasso, o luto, a raiva mal digerida. E com Florence Pugh em seu auge, acompanhada por uma revelação como Pullman, o filme transcende o esperado. Não é perfeito — mas talvez seja justamente essa imperfeição que o torna tão essencial dentro do universo Marvel.