Crítica | Falcão e o Soldado Invernal – 1ª temporada

Chegou ao fim nessa sexta-feira, 23, a exibição de “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda série da Marvel Studios lançada exclusivamente para o Disney+.

Repetindo o sucesso de “WandaVision”, a série, que acompanha Sam Wilson e Bucky Barnes, manteve o formato semanal, permitindo ao público um contato mais espaçado com a história, construindo aos poucos um enredo que envolve críticas sociais, identidade, nação e, é claro, muita ação e conspiração.

Falcon/Sam Wilson (Anthony Mackie) in Marvel Studios’ THE FALCON AND THE WINTER SOLDIER exclusively on Disney+. Photo by Chuck Zlotnick. ©Marvel Studios 2020. All Rights Reserved.

Um ponto chave para diferenciar “Falcão e o Soldado Invernal” de todas produções anteriores do estúdio foi o foco, não apenas nos personagens como heróis, como também voltado a uma profunda e intimista trajetória, acompanhando os protagonistas como civis, em seu cotidiano e enfrentando problemas tanto em suas vivências pessoais, quanto às consequências do mundo pós-Thanos.

Nesse cenário, somos apresentados a um Sam Wilson vivendo a vida de um homem negro norte-americano comum, sem glamour, tendo que lidar com questões financeiras e sobreviver ao racismo que é indiscutivelmente presente no dia a dia de todas pessoas pretas/negras. Bucky Barnes, por outro lado, precisa viver fora das sombras de seu passado, superar seus traumas herdados dos dias como Soldado Invernal, tentando se redimir com a sociedade e governo, e, principalmente, consigo.

Desde que vimos a passagem do escudo de Steve para Sam, ao final de Vingadores: Ultimato, muitas opiniões surgiram nas redes sociais a respeito do Falcão como o próximo Capitão América, alguns enaltecendo, mas outros ainda se mostrando desconfiados. O interessante é que esse quadro misto de impressões, quanto à passagem de manto, foi uma ferramenta narrativa levada para dentro da série, acompanhando um Sam Wilson que por pressões e forças externas, acredita que não é digno de usar o escudo, põem sua fé na mão de homens que prometem zelar da peça como um objeto de legado em uma exposição à Steven Rogers, contudo, logo há uma mudança e introduzem um “novo Capitão América”, loiro, branco e militar.

John Walker (Wyatt Russell) in Marvel Studios’ THE FALCON AND THE WINTER SOLDIER exclusively on Disney+. Photo by Chuck Zlotnick. ©Marvel Studios 2021. All Rights Reserved.

A construção de John Walker (Wyatt Russell) não é apenas um recorte do racismo que circunda o governo dentro da série, mas é, também, um olhar sobre a contemporaneidade fora da ficção, que duvida da capacidade e dos valores de Sam assumir o posto de Capitão América. Não distante disso, a série demonstrou, através de Walker, a desconstrução da imagem do herói atrelada ao traje e aos fenótipos que tinha o Steve, concomitantemente que se sobressai em Sam todas características, valores e a liderança que um Capitão América requer. Assim, a produção consegue não apenas mostrar a vulnerabilidade que faz o Sam um homem comum, como também a força que o mesmo tira a partir disso e como suas buscas pelo diálogo o tornam um homem ideal e digno do escudo, traçando por todos episódios a sua devida e justa ascensão como Capitão América; não como um mero substituto, mas como a moral em si que forma o herói.

Bucky, que muito lutou contra a recusa de Sam, ao longo dos episódios entende a posição do amigo em relação a sua escolha anterior. O personagem comenta que, quando em conversa com Steve, ambos não pensaram nas implicações que seriam ter um Capitão América negro e isso é um excelente espelho para audiência branca (me incluo, inclusive, todos nós temos muito aprender), que precisa ampliar a visão e entender a representatividade, frustrações e também obstáculos que Sam teve, tem e continuará a enfrentar e representar ao longo de sua jornada, não apenas sendo o símbolo heroico dos Estados Unidos, mas por ser também um homem negro.

Winter Soldier/Bucky Barnes (Sebastian Stan) in Marvel Studios’ THE FALCON AND THE WINTER SOLDIER exclusively on Disney+. Photo by Eli Adé. ©Marvel Studios 2021. All Rights Reserved.

Nesse ponto, torna-se ainda um acréscimo mais que necessário a participação de Isaiah Bradley (Carl Lumbly), mostrando o quanto os bastidores do programa “visionário” que criou super-soldados não foi benevolente ao seu batalhão e a ele, como um homem negro, sendo uma importante e clara analogia a história mundial no geral.

Afastando um pouco agora do viés social e político, vale também mencionar outros acertos da série, desde a dinâmica de um grupo de vilões, quanto às alianças improváveis. Sem dúvidas, o retorno e a reconstrução da imagem do Barão Zemo no universo cinematográfico da Marvel foi um presente aos fãs do quadrinho. Daniel Brühl consegue entregar toda comicidade, vilania e ao mesmo tempo anti-heroísmo que o personagem carrega, que, apesar de entendermos a sua natureza antagonista, nos proporciona respostas e encaminhamentos importantes para os mocinhos da trama.

Sharon Carter/Agent 13 (Emily VanCamp) in Marvel Studios’ THE FALCON AND THE WINTER SOLDIER exclusively on Disney+. Photo by Eli Adé. ©Marvel Studios 2021. All Rights Reserved.

Sharon Carter (Emily VanCamp) reaparece como uma personagem quase que nova, reinventada, as consequências de suas relações pós-guerra civil e o rompimento com o governo, mudam a boa-moça “Agente 13” para uma foragida com muito mais camadas, que permitem brechas para um futuro muito audacioso e maior, caso a série ganhe uma continuação (é possível, já que não foi confirmada como minissérie).

Karli Morgenthau (Erin Kellyman) e o restante do grupo, os “Apátridas”, não são os maiores vilões que passaram no MCU, contudo, desempenham um bom papel dentro da trama da série, que envolve questões como pátria, refugiados e relações internacionais, levantando reflexões sobre até onde um pensamento ou uma causa com “boa intenção” pode ir, quais são os limites entre reação revolucionária e terrorismo, quais as consequências de uma guerra e como ficam os órfãos de nações. Será que estamos pensando em um mundo justo para todos ou só garantindo que a nossa caixinha, o nosso círculo e o nosso país estejam bem?

(Center): Karli Morgenthau (Erin Kellyman) in Marvel Studios’ THE FALCON AND THE WINTER SOLDIER exclusively on Disney+. Photo courtesy of Marvel Studios. ©Marvel Studios 2021. All Rights Reserved.

No fim, “Capitão América e o Soldado Invernal” foi mais um acerto da Marvel Studios, com a bem executada direção de Kari Skogland. Anthony Mackie e Sebastian Stan, além de dominarem todas cenas de ação, souberam envolver ambos personagens com a camada dramática necessária para humanizá-los, e, junto ao envolvente e bem produzido roteiro (comandado por Malcolm Spellman), os tiraram com esplendor do lugar coadjuvantes para o holofote de heróis protagonistas; não apenas pelas habilidades irreais da ficção, mas também pelas fragilidades muito consistentes aos seus iguais do dia a dia fora das telinhas.

Falcão e o Soldado Invernal’ possui 6 episódios e todos já estão disponíveis exclusivamente no Disney+.

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